Maria olha para o talão das compras e suspira. O carrinho, que outrora enchia com o salário mínimo, agora parece um reflexo cruel da realidade: cada vez menos produtos, cada vez mais caro. E não, não foi porque decidiu investir num apartamento de luxo à beira-mar. Na verdade, ainda mora na casa dos pais porque, nos Açores, arrendar um teto tornou-se um privilégio – mesmo com dois empregos, mesmo com sacrifícios.
A habitação transformou-se num ato de fé. Cada aviso no jornal oficial sobre um novo empreendimento é acompanhado de discursos, promessas e esperança. E as chaves? Os processos acumulam-se, os prazos do PRR correm a galope, e a grande questão mantém-se: quem vai construir todos estes edifícios em simultâneo e em contrarrelógio? Sem respostas concretas, o direito à habitação continua a ser uma miragem para muitos.
Se sobreviver à especulação imobiliária já é um feito, o resto não é mais animador. A área da Solidariedade Social foi posta de lado em nome de uma fusão pouco feliz com a Saúde. O resultado? Nem uma nem outra recebem a atenção que merecem, o acesso a cuidados de saúde é uma luta diária, com utentes a aguardar meses – ou anos – por consultas e cirurgias. Perante o caos no sistema público, muitos são forçados a recorrer ao setor privado, sobrecarregando ainda mais os orçamentos familiares. No fim, são sempre os mais vulneráveis a pagar o preço desta desorganização.
Uma desorganização que não se fica por aqui. Na educação somam-se salas de aula degradadas, falta de professores e assistentes técnicos, num ensino que muitas vezes não prepara os jovens para um futuro promissor. O resultado é claro! Uns Açores, incapazes de oferecer oportunidades de emprego qualificado e salários competitivos, continuam a perder os seus melhores e mais promissores profissionais.
Os açorianos não pedem milagres – pedem soluções. Querem uma habitação acessível que não seja apenas um número bonito num plano estratégico. Querem serviços sociais que funcionem, uma educação que retenha talento e um sistema de saúde que cuide verdadeiramente das pessoas. Querem salários que acompanhem o custo de vida e um governo que entenda que viver com dignidade não pode ser um luxo. Um governo que os respeite e responda de forma concreta sem se esconder em silêncios arrogantes.